Autor: Rodrigo André de Carvalho
Graduando em Licenciatura em História 2011-2
Título original: The slave ship: A Human History, no Brasil foi traduzido por Luciano Vieira Machado e publicado em 2011 pela editora Companhia das Letras com o título de O Navio Negreiro: Uma História Humana. Tendo na edição brasileira 446 páginas.
Markus Rediker nasceu em Owensboro, Kentucky, em 1951. Graduou-se na Universidade de Virginia Commonwealth, fez Ph.D em história na Universidade da Pensilvânia. Alem da obra The Slave Ship: A Human History - 2007 (O Navio Negreiro – Uma história humana), escreveu também Between the Devil and Deep Blue Sea -1987 (Entre o Diabo e o Deep Blue Sea); Who Built America? - 1989 (Quem construiu a América?); The Many-Headed Hydra - 2000 (A hidra de muitas cabeças); Villains of All Nations – 2004 (Vilões de Todas as Nações); Many Middle Passages - 2007 (Muitas passagens Médio).
A presente obra esta dividida em dez capítulos alem da introdução, epílogo e uma rica quantidade de notas e fontes ao final do livro muito útil a quem tiver interesse pelo assunto e quiser se aprofundar no estudo.
Markus Rediker mescla cifras, análise política e depoimentos de atores do que foi a maior migração forçada da história para mostrar como o Navio Negreiro foi parte fundamental do Tráfico de Africanos Escravizados. O autor demonstra que há muitas pesquisas pungentes sobre o drama dos africanos escravizados, mas que não existe um estudo amplo da embarcação que tornou possível o comércio que transformou o mundo:
Não existe análise do instrumento que facilitou a ‘revolução comercial’ da Europa, a exploração de plantations, a edificação de impérios mundiais, o desenvolvimento do capitalismo e, finalmente a industrialização (REDIKER, 2011, p.18)
A obra O Navio Negreiro – Uma História Humana tem uma narrativa envolvente, que consegue fazer conexões entre detalhes da operação do tráfico de africanos com os aspectos mais amplos do sistema econômico e social que usou o navio como principal veiculo de expansão global na era moderna.
A leitura do livro O Navio Negreiro não é uma leitura agradável! Não é agradável no sentido que causa dor ao leitor que consegue acompanhar o sofrimento de milhões de africanos que foram submetidos as terríveis situações nos porões dos navios negreiros. O autor afirma: “(...) foi doloroso escrever este livro e, caso eu tenha feito alguma justiça ao tema, lê-lo também o será. Não há maneira de se evitar isso, nem deve haver” (REDIKER, 2011, p. 21).
O autor, professor de história da Universidade de Pittsburgh, também deixa claro que ele não escreveu a primeira história do comércio de escravos. Rediker (2011) enumera várias autores e obras dignas, como por exemplo Philip Curtin com The African slave trade: census(1969), e a grande síntese de Hugh Thomas em The slave trade: the story of the African slave trade, 1440-1870 (1999), e elogia várias outros autores e obras literárias que têm tratado o assunto, incluindo Beloved (1987) de Toni Morrison, Middle Passage (1991) de Charles Johnson, Sacred Hunger (1993) de Barry Unsworth, The Atlantic sound (2005) de Caryl Phillips.
O próprio Rediker se questiona então, por que se incomodar ao ler o seu livro?
Há duas boas razões. É que o Navio Negreiro conta a história do comércio de carne humana a partir de uma perspectiva inexplorada: os porões dos navios negreiros.
O autor (REDIKER, 2011, p.13) nos mostra que na Passagem do Meio 1,8 milhão de africanos morreram e tiveram seus corpos lançados ao mar, para proveito de tubarões que seguiam os navios. Ao adicionar também a estimativa de 1,8 milhões de pessoas que morreram ainda no continente africano a caminho do navios, e os três quartos de um milhão de pessoas que expirou durante o primeiro ano como escravos no Novo Mundo se começa a entender por que o grande erudito e ativista afro-americano W.E.B DuBois chama o comércio de escravos:
(...) o mais grandioso drama dos últimos mil anos da história da humanidade: a transferência de 10 milhões de seres humanos de beleza negra de seu continente natal para o recém-descoberto Eldorado do Ocidente. Eles desceram ao inferno. (DUBOIS apud REDIKER, 2011 p. 12.)
Rediker concentra-se em quatro narrativas, pode-se dizer em quatro dramas:
O primeiro foi a interação entre os capitães dos navios, como um ser todo-poderoso e suas cargas (os africanos), muitas vezes dispensáveis; o segundo foi a violência constante entre os marinheiros e os escravos; o terceiro foi a cooperação entre os povos escravizados que às vezes não conseguia nem falar uns com os outros por causa da diferença entre os seus idiomas; na quarta narrativa, Rediker mostra que este último drama surgiu não no navio, mas nas sociedade civil da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos, quando os abolicionistas traçaram inúmeros terríveis retratos da Passagem do Meio para o público leitor metropolitano. Estas quatro narrativas não operam isoladamente, mas a compreensão da dinâmica de cada mostra claramente um quadro mais completo de como um tipo de comércio era capaz de florescer durante quase 400 anos e como ele finalmente foi capaz de ser interrompido.
A leitura do livro torna-se mais chocante, porque o autor não fez apenas suposições do que ocorreria nos navios, Rediker usa narrativas de personagens reais como a de capitães, marujos, comerciantes, abolicionistas, e mesmo de africanos escravizados que de algum modo tiveram suas experiências transcritas e puderam ser reproduzidas décadas depois, como neste livro O Navio Negreiro: Uma História Humana.
O navio negreiro, escreve Rediker, foi uma combinação estranha e potente de máquina de guerra, prisão móvel, e de fábrica:
O amplo e bem armado navio negreiro era uma poderosa máquina de navegação, mas era também algo além disso, algo sui generis, como o sabiam Thomas Gordon e seus contemporâneos. Era também uma feitoria e uma prisão, e nessa combinação reside sua índole e seu horror. A palavra factory (feitoria) começou a ser usada em fins do século XVI, quando se deu a expansão do comercio global. Ela deriva da palavra factory era “um estabelecimento para comerciantes que faziam negócios num país estrangeiro”. Era um posto mercantil de um comerciante. (...)
O navio era uma feitoria no sentido original do termo, mas o era também no sentido moderno, de fabrica (2011, p. 53).
O navio-fábrica, não só transformou as pessoas que para lá foram levados, em trabalhadores para as plantações, mas também produziu o conceito de "raça", o capitão e a tripulação - até mesmo os marinheiros de pele escura - foram referidos como "branco", enquanto os cativos, embora representassem uma grande variedade de etnias, tornou-se "a raça negra" como bem mostra Rediker (2011, p.136-140; p.313).
Em última análise, esta transformação – e a criação do racismo como um meio de tolerar tal prática desumana - foi realizado por pessoas que não estavam a bordo do navio de escravos:
(...) os dramas que se desenrolaram no convés de um navio negreiro tornaram-se possíveis – pode-se dizer mesmo estruturados – pelo capital e poder de pessoas que se encontravam muito longe do navio. Os dramas de que tomavam parte capitães, marujos e escravos africanos a bordo do navio negreiro inseriam-se num drama mais amplo, o surgimento e o desenvolvimento do capitalismo em todo o mundo (REDIKER, 2011, p.357).
Rediker ressaltar que a importância da violência e do terror na própria formação da economia atlântica e de seus múltiplos sistemas de trabalho nos séculos XVII e XVIII: Mesmo os melhores historiadores do tráfico de escravos e da escravidão tenderam a minimizar, talvez mesmo a sanear, a violência e o terror que eram a própria essência do tráfico e da escravidão (2011 p.359).
Rediker chega a uma conclusão instigante: A violência do tráfico não foi um acidente, mas foi fundamental para a ascensão do capitalismo global (2011 p. 52). O autor afirma que:
O Navio Negreiro não apenas tinha entregado milhões de pessoas à escravidão, mas as tinha preparado para isso. Era uma preparação literal, feita pela tripulação: arranjavam-se os corpos dos escravos para serem vendidos; cortavam a barba e os cabelos dos homens; tingiam de preto os cabelos grisalhos; untavam-lhes o tronco com azeite de dendê. A preparação também implicava a submissão à disciplina da escravidão (REDIKER, 2011, p.354).
Rediker (2011, p. 358) adverte que o comércio de escravos foi finalmente abandonado, mas a violência e o terror que sempre foram temas centrais para a ascensão e operação contínua do capitalismo ainda está conosco, como é o racismo que a escravidão gerou.
Colocar um rosto humano em ambos: os opressores e os oprimidos. A obra O Navio Negreiro confronta o humano na violenta história do tráfico de africanos escravizados. Pode não ser uma leitura fácil, mas mostra o terror que um grupo de pessoas é capaz de fazer a outras pessoas para a obtenção de lucro e dinheiro.
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Referência:
REDIKER, Marcus. O Navio Negreiro. Tradução de Luciano Vieira Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. 446 p.
ABNT. NBR6023: informação e documentação: elaboração:
referências. Rio de Janeiro, 2002. 24 p.
ABNT. NBR10520: informação e documentação: citação em
documentos. Rio de Janeiro, 2002. 7 p.